A BNCC de História no Ensino Fundamental – Anos Iniciais contempla,
antes de mais nada, a construção do sujeito. O processo
tem início quando a criança toma consciência da existência de um
“Eu” e de um “Outro”. O exercício de separação dos sujeitos é um
método de conhecimento, uma maneira pela qual o indivíduo toma
consciência de si, desenvolvendo a capacidade de administrar a sua
vontade de maneira autônoma, como parte de uma família, uma
comunidade e um corpo social.
Esse processo de constituição do sujeito é longo e complexo. Os
indivíduos desenvolvem sua percepção de si e do outro em meio a
vivências cotidianas, identificando o seu lugar na família, na escola e
no espaço em que vivem. O aprendizado, ao longo do Ensino Fundamental
– Anos Iniciais, torna-se mais complexo à medida que o
sujeito reconhece que existe um “Outro” e que cada um apreende o
mundo de forma particular. A percepção da distância entre objeto
e pensamento é um passo necessário para a autonomia do sujeito,
tomado como produtor de diferentes linguagens. É ela que funda
a relação do sujeito com a sociedade. Nesse sentido, a História
depende das linguagens com as quais os seres humanos se comunicam,
entram em conflito e negociam.
A existência de diferentes linguagens pode ser explicada pela
análise, por exemplo, de sistemas numéricos utilizados por distintas
culturas. Compreender a enorme variedade de sistemas (com base
um, com base dois, com base dez etc.) é um bom exercício, assim
como refletir sobre as ideias de adição, subtração, multiplicação e
divisão, evitando um olhar universalizante para os números.
Em determinadas culturas, o número usado para contar seres
humanos pode ser diferente do número que se usa para contar
mandiocas, como acontece com os membros da etnia palikur. O que
isso significa? Se na tradição de matriz grega, a unidade é o um
(1), para muitos povos indígenas originários, a unidade é o dois (2).
Para os xavantes, por exemplo, a ideia de paridade é um princípio
ordenador, pois em torno dela existe uma espécie de modelagem do
mundo. Identificar essas diferenças significa tomar consciência de
que existem várias formas de apreensão da realidade.
Não são apenas os sistemas numéricos que explicam variações de
linguagem. Existem inúmeras maneiras de se comunicar por meio de
expressões corporais, sonoras ou gustativas – como o que se come
ou não se come. No Brasil, por exemplo, não se comem cachorros;
prefere-se carne de vaca ou uma dieta à base de vegetais. Por quê?
E a cobra, é uma boa opção para quem? Essas descobertas simples
resultam em um aprimoramento dos mecanismos de comunicação
e se constituem, posteriormente, no substrato para a elaboração do
diálogo e da resolução de conflitos.
Aprender a identificar códigos variados é tarefa necessária para o
desenvolvimento da cognição, comunicação e socialização, competências
essenciais para o viver em sociedade.
Retomando as grandes temáticas do Ensino Fundamental – Anos
Iniciais, pode-se dizer que, do 1º ao 5º ano, as habilidades trabalham
com diferentes graus de complexidade, mas o objetivo primordial é
o reconhecimento do “Eu”, do “Outro” e do “Nós”. Há uma ampliação
de escala e de percepção, mas o que se busca, de início, é o
conhecimento de si, das referências imediatas do círculo pessoal,
da noção de comunidade e da vida em sociedade. Em seguida, por
meio da relação diferenciada entre sujeitos e objetos, é possível
separar o “Eu” do “Outro”. Esse é o ponto de partida.
No 3º e no 4º ano contemplam-se a noção de lugar em que se vive
e as dinâmicas em torno da cidade, com ênfase nas diferenciações
entre a vida privada e a vida pública, a urbana e a rural. Nesse
momento, também são analisados processos mais longínquos na
escala temporal, como a circulação dos primeiros grupos humanos.
Essa análise se amplia no 5º ano, cuja ênfase está em pensar a diversidade
dos povos e culturas e suas formas de organização. A noção
de cidadania, com direitos e deveres, e o reconhecimento da diversidade
das sociedades pressupõem uma educação que estimule o
convívio e o respeito entre os povos.
Para evitar uma visão homogênea, busca-se observar que, no interior
de uma sociedade, há formas de registros variados, e que cada
grupo produz suas memórias como elemento que impulsiona o estabelecimento
de identidades e o reconhecimento de pertencimento
a um grupo social determinado. As memórias podem ser individuais
ou coletivas e podem ter significações variadas, inserindo-se em
uma lógica de produção de patrimônios (materiais ou imateriais)
que dizem respeito a grupos ou povos específicos.
Convém observar que é pressuposto dos objetos de conhecimento,
no Ensino Fundamental – Anos Iniciais, analisar como o sujeito se
aprimorou na pólis, tanto do ponto de vista político quanto ético.
Entretanto, respondendo aos desafios contemporâneos marcados
por grandes movimentos populacionais e pela globalização, considerou-se uma nova dimensão para o projeto pedagógico.
Nessa perspectiva, emerge um sujeito coletivo mais desenraizado,
seja por contingências históricas (migrações), seja, ainda, em
razão de viver em uma época em que se buscam múltiplos referenciais
identitários que questionam as antigas construções do
ideário do Estado-nação. Seja como for, em ambos os casos, os
indivíduos devem se preparar para enfrentar os desafios do mundo
contemporâneo.
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