O QUE É APRENDIZAGEM?
Aprendizagem
Um processo dinâmico e interativo da criança com o mundo que
a cerca, garantindo-lhe a apropriação de conhecimentos e estratégias
adaptativas a partir de suas iniciativas e interesses e dos estímulos
que recebe de seu meio social
TEMPO, ESPAÇO E
APRENDIZAGEM1
Cristiane Rozanski Kopp
Arantes Agria
Liliamar Hoça
As palavras tempo e espaço são
utilizadas cotidianamente no âmbito da escola, porém o que se constitui como
abordagem desta pesquisa, não é o uso rotineiro das noções dessas palavras mas,
de refletir o significado de tempo e espaço como elementos mediadores
do processo de aprendizagem. É preciso observar que há possibilidades de
organização e distribuição do tempo e do espaço para efetivar de maneira
significativa a aprendizagem dos alunos. Apresenta-se uma experiência de
reagrupamentos, cujo objetivo era atender de diferentes maneiras as
necessidades acadêmicas dos alunos. Refletir a questão da temporalidade e da
espacialidade na escola é inicialmente fazer uma referência de como a unidade
escolar foi edificada em um determinado tempo e espaço social que a configura
em termos organizacionais e, até mesmo, existenciais, pois o humano estabelece
a condição de tempo. Paralelamente é estar provocando uma análise sobre como
os docentes se referem a questão tempo e espaço, a distribuição do
“tempo” diante dos conteúdos propostos para os anos iniciais do ensino
fundamental e a alocação dos sujeitos frente o processo de aprendizagem
em espaços destinados previamente, para determinadas práticas e que,
necessariamente, precisam ser revistos e modificados. Em primeiro lugar, a referência sobre o papel
da escola, é que ela se encontra em um constante exercício de
interpretação das políticas sociais, gerenciando conflitos de ordem
política-social, que se caracterizam através dos tempos. Possibilita a
interpretação de normatizações de uma estrutura, que sucessivamente, configuram
seu papel na sociedade, através da comunicação de mensagens, seleção
e organização dos conteúdos e do tipo de aula a ser ministrada pois, “a
escola é uma trama de relações materiais que organizam a experiência cotidiana
e pessoal do (a) aluno (a) com a mesma força ou mais que as relações de
produção podem organizar as do operário na oficina ou as do pequeno produtor no
mercado.” (Fernández, Enguita, 1990)
Por outro lado, não é possível
desconsiderar que essa mesma estrutura, chamada escola, além de
ter um papel configurado pela sociedade, também na distribuição de seus
tempos e de seus espaços, caracteriza os discursos que são incorporados nas
relações humanas e refletidos na própria sociedade, marcando por exemplo,
o que é aprendizagem própria da escola e o que vem da sociedade e que
precisará ser reelaborada, através das atividades mediadas, utilizado diversas
operações psicológicas do indivíduo, posicionando-se como produtora de relações
sociais.
1 Artigo apresentado no Curso de
Especialização em Modalidades de Intervenção no Processo de Aprendizagem da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, sob orientação do professor Antonio
dos Santos Neto.
“A aprendizagem escolar define um sistema de
trabalho particular que regula o uso dos próprios instrumentos mediadores que
funcionam como conteúdo ou vínculos do ensino. [...] se aprende e se
interioriza o domínio de um instrumento de mediação com sua estrutura
intrínseca e com sua modalidade e sistema de uso escola. O sistema escolar
implica um sistema discursivo particular (existem numerosas regras próprias do
discurso escolar) e uma organização material das atividades também específica,
ambos regulando os tempos, espaços, a distribuição de responsabilidades no
desenvolvimento das tarefas.
A aprendizagem escolar consiste,
portanto, não apenas no domínio dos instrumentos ou sistemas conceituais, de
procedimentos de seu uso em abstrato, como também sua recontextualização no
cenário escolar [...].”
(BAQUERO,1998,p.83)
Portanto,
olhar tempo e espaço escolar como mediadores no processo de aprendizagem e
problematizar uma ressignificação, implica em rediscutir práticas e
também revela os aportes teóricos pelos quais uma organização escolar se
fundamenta. Os sujeitos (históricos e sociais), procuram revelar o que se
entende por tempo e espaço. Mas afinal, de que tempo e espaço está se tratando?
Discutir tempo e espaço, é pensar em termos de colaboração para o crescimento
dos educandos, mediando não apenas o desenvolvimento cognitivo, mas o desenvolvimento
social, ético, moral, biológico, cultural, pessoal, afetivo, viabilizando as
diversas potencialidades e os diferentes estilos cognitivos de aprendizagem,
reconhecendo-os e valorizando-os.
Busca-se
analisar e entender um tempo considerado necessário para a aprendizagem
escolar, um tempo ao qual as crianças ao ingressarem na escola, também aprendem
o seu significado. Um espaço o qual irão perceber, pensar e agir, dentro de
limites, gerados por adultos, que precisam garantir uma estabilidade de ações,
algumas cristalizadas por costumes ou hábitos.
Na sociedade ocidental, existe uma
construção histórico-filosófica acerca da concepção de tempo e espaço, embasada
na busca obstinada do homem pelo chamado tempo objetivo e que naturalmente se
remete ao tempo subjetivo. Na relação entre tempo e espaço no cotidiano
escolar, há uma dualidade, na qual o tempo ganha muito mais prestígio pois, o
espaço pensado durante muitos séculos, como local de aprendizagem efetiva, era
a sala de aula. A noção temporal apresenta a dualidade – tempo físico e tempo
social. O tempo físico, personificado em Cronos2, representa a marcha constante
que modifica as coisas, dita a contagem em segundos, minutos, horas e dias.
Essa contagem regula as ações da sociedade e para a instituição escolar traz a
exigência de ajustar os alunos ao currículo, designado para um determinado
período de tempo cronológico. O então chamado tempo social, que também recebe
uma configuração, indicado por Kairós3, representa o tempo vivido, tempo que se
estabelece nas ações desenvolvidas pelas pessoas no cotidiano e que podem
constituir-se aprendizagens significativas, mas que não se vinculam ao tempo
contato em minutos ou horas, pois a vivência de determinadas situações, que
possibilitam o desencadeamento de processos cognitivos e emocionais, muito
particulares em cada pessoa, e que estão relacionados ao processo de
desenvolvimento de ordem biológica e cultural. Portanto, o tempo físico e o
tempo vivido não se revertem em uma simultaneidade.
2 Cronos – na
genealogia dos Titãs, Crono é o filho mais novo de Urano (o Céu) e Geia (a
Terra). Pertencente à primeira geração divina, anterior a Zeus e ao Olimpo.
Tomou o trono de seu pai, como o senhor do mundo e desposou a própria irmão
Réia. Mas como Urano e Geia, depositários da sabedoria e do conhecimento
futuro, lhe tinham predito que seria destronado por um de seus filhos, ele os
devorava a medida que iam nascendo. Indignada por estar lhe sendo negada a condição
de mãe e poder estar com seus filhos, Réia foge, estando grávida e dá a luz a
Zeus, deixando-o aos cuidados dos sacerdotes. Retornando, envolve uma pedra em
panos e a entrega para Cronos devorar, que assim o fez. Já crescido Zeus, com ajuda
dos sacerdotes e de Métis, uma das filhas do Oceano, leva Crono a tomar uma
droga que o forçou a devolver todos os filhos
que havia devorado.
Assim com seus irmãos, Zeus declara guerra a Crono. Uma luta que leva dez anos
e onde Zeus é o vencedor. Segundo a tradição clássica, Cronos simbolizava o
tempo, que
em marcha
incessante, destrói todas as coisas por ele mesmo produzidas, considerado como
o tempo personificado. (GRIMAL, 1997)
3 Significa o tempo
do Dom, hora da graça, da salvação, momento em que o anjo do “Senhor” passa, é
o tempo dado como subjetivo, tempo vivido, tempo de desenvolvimento, tempo que
gera esperança. (ASSAMAN, 1998, p.213)
O tempo medido é fortalecido pelos
ritmos dirigidos das necessidades cotidianas, entre elas está na história
escolar, o ensino simultâneo como forma mais moderna de organização do tempo
escolar. O ensino simultâneo, centrado na ação do professor e na atenção mútua
dos alunos, precisamente a sala de aula, foi concebida como um local onde uns
aprendem e outros ensinam.
O documento Ratio Studiorum já
apresentava uma complexidade para o tempo e espaço de aprender, e das quais
temos muitas heranças, que exige do indivíduo uma determinada organização para
que se possa articular na rede de relações estabelecidas para esse espaço, em
função da permanência da força do conjunto da produção, em busca da categoria
hegemônica. É interessante destacar, que dois instrumentos são colocados como
fundamentais na estrutura para mediação que serviram para o controle das
atividades cognitivas e de lazer: o calendário e o relógio. Gradativamente as
pessoas foram se apoderando desses processos de mediação e sendo aprisionados
por eles.
Com a Revolução Industrial, a
escola incorpora o papel de ser a responsável em preparar os alunos para as
chamadas necessidades sociais, contando com um controle de classes, séries,
disciplinas, calendário e relógio. Observando a sociedade da época, vê-se que o
tempo se transforma em tempo de produtividade, em ganho de capital, onde o
pensamento pedagógico se transfigura em função do sistema social vigente.
A pedagogia estava então,
utilizando a “disciplinação” do tempo e do espaço, para que houvesse o maior aproveitamento
pela criança dos conteúdos para a vida intelectual. São executadas ações
cumulativamente e repetidamente para se garantir a institucionalização do saber
escolar. Segundo Sacristán, as ações repetidas com frequência, criam uma longa
pauta de conteúdos que são reproduzidos e apreendidos. A institucionalização
não é o fruto de uma vontade expressa da pessoa, mas a consequência cumulativa
da execução das ações e que cumpre algumas funções básicas como o de oferecer a
sabedoria cristalizada nas tradições e normas.
Para se entender como as
organizações do tempo e do espaço se constituem alvos de controle, retomamos
exemplos do século XVIII, citações de modelos europeus que se fixaram pelo
mundo, inclusive nas Américas. É nesse momento que as escolas iniciam um tipo
de atividade cooperativa que aliava a disciplina e transferência de
conhecimentos, onde o tempo de aprendizagem e as classes eram organizados da
seguinte forma:
1.º)
horário para as turmas
|
2.º)
turmas separadas pelo saber:
a) dos que não sabem desenhar
b) dos que sabem alguma coisa
c) dos que já estão adiantados.5
|
4 O Ratio Studiorum
se refere à ordem e o método de estudo, elaborado pelos jesuítas no final do
século XV. Tratava-se da organização sistemática dos estudos, feitos sob a forma
de códigos de leis com a indicação da responsabilidade, do desempenho, da
subordinação e do relacionamento dos membros da hierarquia, dos professores e
dos alunos. Além de ser também um manual de organização e administração
escolar, que regulamentava as classes, horários, programas e disciplinas.
Visava evitar inconveniências trazidas pela variedade de opiniões e
preferências individuais, uma vez que os jesuítas deveriam trabalhar sempre de
maneira uniforme com vistas à universalização de seus resultados
5 cf. Tuma, Magda
Madalena Peruzin.p.53
Em outro exemplo do mesmo século,
sete níveis de aprendizagem são organizados, tomando por base a leitura, e que
caracterizam o tempo disciplinar em suas séries múltiplas:
1.º) os que aprendem a conhecer as
letras;
2.º) os que aprendem a soletrar;
3.º) os que aprendem a juntar
sílabas;
4.º) os que leem o latim por frase
ou de pontuação em pontuação;
5.º) os que começam a ler o
francês;
6.º) para os mais capazes;
7.º) para os que leem os
manuscritos.
O que se apresenta no exemplo, nada
mais é do que o tempo de aprendizagem linear e evolutivo, pautado na
aprendizagem da leitura, a qual refletia o domínio das classes.
Para se garantir o domínio, a
técnica era o objetivo final do ensino, impondo aos educandos tarefas repetitivas.
Muitos permaneciam no mesmo nível, durante um “tempo” considerável, o que logo
transformava-se em abandono e, por consequência, estabilização da hegemonia nas
classes, “...capacidade final do indivíduo. Recolhe-se a dispersão temporal
para lucrar com isso e conserva-se o domínio. O poder se articula diretamente
sobre o tempo; realiza o controle dele e garante sua utilização [...] para
economizar o tempo da vida, para acumulá-lo de uma maneira útil, e para exercer
o poder sobre os homens. ” (Foucaullt, p.145)
O chamado ensino fundamental,
apresenta o estigma do controle das séries cronológicas, em que o tempo de uns
deve ajustar-se ao dos outros. As concepções de ensino-aprendizagem, que
perpassam a caminhada escolar e por consequência indicam o conceito de criança,
de ensino, de aprendizagem, de avaliação, de formação docente, trazendo de
maneira subjetiva uma abordagem sobre o tempo e a organização do espaço,
condizente com as bases teóricas que sustentam-nas. As bases teóricas, que dão
suporte ao trabalho pedagógico hoje, passam por um momento de reacomodação. A
previsão de acesso à educação para todos, presente nos discursos
sócio-políticos, tornam gradativamente visíveis as diferenciações existentes
entre os educandos, fazendo com que se busquem novos significados de
individualização do ensino. Analisar tempos e espaços é repensar um conjunto de
procedimentos quanto a sua organização, as metodologias, os alunos e os
professores.
TUMA (1997) 6 apresenta em sua
pesquisa algumas considerações de professores, acerca da questão TEMPO.
Estabelecido os parâmetros para a entrevista, foi percebida a resistência em
relação ao assunto. Segundo análise posterior, da mesma autora, tal reação
assemelhava-se a resistência a violência simbólica, trazida por Bourdieu
(1997).
“... as coisas têm que ser tudo
direitinho, tudo certinha,[...] Porque daí ia virar bagunça, cada um querendo
fazer de acordo com o seu tempo [...] Vamos determinar uma regra e você vai ter
que entrar. [...] para determinar o tempo. [...] da sociedade. (TUMA, 1997,p.
77)
6 TUMA,Magda Madalena Peruzin, em A
Escola e o tempo, retrata no terceiro capítulo, uma pesquisa realizada em uma
escola pública de 1ª a 4ª série, do município de Londrina, o tratamento dado ao
tempo a partir das entrevistas com professoras, observações e filmagens,
reafirmando a questão da reprodução do disciplinamento temporal.
... a sociedade tem essa coisa de
ter regras. De ter horário para tudo. Eles têm que entrar no esquema. [...] tem
que fazer na hora em
que todo mundo está fazendo a
sociedade inteira está organizada de forma a ter regras, ter normas, tem
horários, tudo pré-estabelecido.... ( TUMA,1997, p. 78)
... ela (a escola) trabalha
bastante com a criança, esperando que amanhã seja uma pessoa, assim preparada
para a vida , né? [...] se ela for trabalhar, ela vai ter que, ela vai ter um
horário, tempo certo para entrar, para sair do serviço ... [...] se ela vai
trabalhar no escritório,
o patrão... [...] ele não vai dar
tempo pra ela [...] ela tem que saber controlar o tempo pra ela saber se organizar.
” ( TUMA, 1997, p. 80)
Estas três citações, trazem uma
forte referência ao plano disciplinador do tempo e a necessidade do sujeito
estar adaptado ao padrão social. A ação pedagógica internalizou a construção do
tempo, como uma tarefa administrativa, que se apresenta concreta seguindo o
calendário civil e está nos documentos escolares como regimentos, normas
internas, fichas de alunos e professores, diários de classe.
Porém, diversos autores, vêm
apontando que a noção de tempo deve estar, também, estreitamente relacionada
aos processos de aprendizagem. Consequentemente é preciso repensar como
disponibilizar tempo para os alunos, para que efetivamente possam ser atendidos
em suas necessidades acadêmicas. A ideia de que a pessoa tem o direito de
afirmar a sua diferença e ter igualdade de oportunidades, tem impactado as
relações sociais e as educacionais, onde se espera que, por parte dos
professores, eles possam responder à diversidade e complexidade das situações
educativas. Abre-se a discussão de que, para atender as demandas educativas, o
tempo e o espaço constituem-se em elementos a serem repensados na organização
de propostas pedagógicas. O tempo se transfigurou em diversas maneiras: o tempo
de ser, o tempo de ter, o tempo de buscar, o tempo de aprender. Assim também, o
espaço acompanha essa transfiguração, pois há o espaço para estudar, para
brincar, para apresentar as habilidades, para pensar.
O planejamento, a execução de
propostas de trabalho pedagógico e de modalidades de intervenção na
aprendizagem, pressupõe como o tempo será aproveitado em sala de aula e em qual
espaço as atividades serão realizadas.
Questionando-se com um grupo de professores de uma determinada rede de ensino,
acerca do significado de tempo e espaço no âmbito escolar, as respostas foram
unânimes em caracterizar o tempo como o calendário escolar e o espaço
como sendo o espaço físico da unidade escolar. O tempo de aprender é
retratado pelo calendário civil, pela consequente divisão dos conteúdos disciplinares,
partindo do número de dias letivos, como já está citado. O espaço físico
apresenta-se em divisão de salas para cada turma de alunos, ambientes para
aulas-extras, secretaria, direção e qualquer outra função para a organização
escolar. Isto retrata que mesmo com os esforços de possibilitar a reflexão
quanto as propostas pedagógicas que consideram todo o percurso da aprendizagem
e tratam de vários aspectos do desenvolvimento, ainda o tempo e o espaço de
aprender se encontram enclausurados na lógica de funcionamento da escola,
distanciado da lógica de tempo e espaço que está a sua volta.
Fonte de apoio
ARTIGO
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-84862017000100008
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